caderno da cidade 7º Estação Jaraguá - Viagem ao centro da Terra


Viagem ao centro da Terra
[...]
               A essa altura meu mau humor já tinha amenizado, afinal, pensava eu, o máximo que faremos será descer ao fundo da cratera de um vulcão extinto. Quanto à existência de uma galeria que conduzisse ao centro da Terra, só poderia ser pura imaginação. Após algumas horas de viagem, Hans mostrou para meu tio um barco e falou sobre a maré. Percebi que era necessário aguardar um momento certo da maré para se iniciar a travessia do fiorde[1]. Esse momento só chegou às seis horas da tarde. Nós três, dois outros viajantes e os quatro cavalos tomamos lugar nessa embarcação frágil. Levamos uma hora para atravessar o fiorde. Quando chegamos a Gardar já deveria ser noite, mas na Islândia durante os meses de junho e julho o sol não se põe. Sem muita demora chegamos ao lugarejo de Alftanes, uma milha mais adiante. Sábado, 20 de junho, chegávamos a Büdir, onde a própria família de Hans nos ofereceu hospedagem. Stapi era a última etapa da nossa viagem. Hans contratou três islandeses para substituir os cavalos e nessa ocasião meu tio definiu até onde esses homens nos acompanhariam e disse ao nosso guia sua intenção de conhecer o vulcão até os últimos limites. O guia apenas inclinou a cabeça no sentido afirmativo.
               Agora uma preocupação se aproximava de mim. E se Saknussemm realmente falara a verdade? Ficaríamos perdidos numa das galerias do vulcão. Por sinal, nada prova que ele está extinto e que, de uma hora para outra, não poderá despertar. Resolvi expor meus problemas a meu tio.
               — Também pensei nisso, caro Axel. As erupções são sempre precedidas por fenômenos conhecidos. Assim, interroguei os habitantes da região e posso lhe garantir, meu querido sobrinho, que não haverá qualquer erupção.
               Não foi preciso muito para ele encontrar meios científicos que o fizessem estar certo. Mais uma vez tive que concordar com ele. No dia seguinte, 23 de junho, deixamos a aldeia de Stapi e seguimos rumo ao Sneffels. Esse vulcão tem a altura de cinco mil pés. Do nosso ponto de partida não podíamos ver o seu duplo cone que se perfilava[2]no fundo cinzento do céu. Nosso caminho se tornava mais difícil à medida que caminhávamos em direção ao Sneffels. O solo formava declive, as rochas separavam-se e todo o cuidado era necessário para evitar quedas perigosas. Ao subir as encostas do Sneffels, seu cume me parecia muito próximo, mas foi preciso longas horas de marcha para atingi-lo. No meio de um vasto tapete de neve que se estendia no alto do vulcão, uma escada de pedras surgiu para facilitar nossa subida. Às sete horas da noite tínhamos escalado os dois mil degraus da escada. No entanto, Hans achou inconveniente  passarmos a noite nas encostas do cone. Cinco horas foram gastas para subir mil e quinhentos pés que faltavam e às onze horas da noite atingimos o cume do Sneffels. Encontrávamo-nos no cimo[3]de um dos dois picos do vulcão, o do sul. Foi então que meu tio perguntou ao guia qual o nome que os islandeses dão a esse pico. Hans imediatamente respondeu:         — Scartaris.
               Com um olhar triunfante, meu tio dirigiu-se a mim e disse:
               — À cratera!
               A cratera do Sneffels representava um cone invertido, e eu calculava sua profundidade em dois mil pés. Ao descermos, Hans ia à frente e avançava com extrema preocupação. Apesar das dificuldades desse trajeto, não houve nenhum incidente e ao meio-dia havíamos chegado. No fundo da cratera abriam-se três chaminés, pelas quais o núcleo central expelia as suas lavas e os seus vapores no tempo de erupções. Meu tio fez um rápido exame da situação delas e eu mal tinha coragem para olhar.
               De repente, ouvi um grito. Era do professor.
               — Axel, venha correndo! — dizia num tom de espanto e alegria.
               Corri para perto dele, que apontava para um rochedo colocado no centro da cratera. A evidência tomou conta de mim. Na face ocidental do bloco, em caracteres rúnicos semirroídos pelo tempo, estava escrito: Arne Saknussemm. Não disse nada. Ignoro por quanto tempo fiquei mergulhado em minhas reflexões. Quando voltei ao normal, vi meu tio e Hans despedirem-se dos três islandeses, que agora voltavam a Stapi. Nossa primeira noite no fundo da cratera foi tranquila. O amanhecer foi nublado e permaneceu assim o dia todo. Nem liguei para a raiva do meu tio, pois em mim nascia a esperança de que a viagem poderia terminar logo. Havia três caminhos abertos aos nossos pés e só um deles foi seguido por Saknussemm. Segundo o sábio, esse caminho devia ser reconhecido através do pico agudo, cuja sombra, num determinado momento e dia de junho, marcaria o caminho para o centro da Terra. E, caso o Sol não aparecesse, não haveria sombra nem indicação. Estávamos no dia 25 de junho e se o céu continuasse encoberto durante seis dias seria preciso esperar mais um ano. Mal posso descrever o estado de raiva em que ficou meu tio. Sua cólera durou até o dia 27. No domingo, 28 de junho, com a mudança da Lua, o Sol fez incidir os seus raios sobre a cratera. Ao meio-dia a sombra foi dar na beira da chaminé central. Entusiasmadíssimo, ouvi o professor falar:
               — É aquela! O caminho para o centro da Terra.
               Agora começava a verdadeira viagem. A descida começou na seguinte ordem: o guia, meu tio e eu. Meia hora mais tarde chegávamos à superfície de um rochedo incrustado na parede da chaminé. Um pouco depois atingíamos uma nova profundidade de duzentos pés. Pelos meus cálculos, passaram-se onze horas até chegarmos a dois mil e oitocentos pés. [...]

VERNE, Julio. Adaptação de Lilian Cristina Viveros. Viagem ao centro da Terra. São Paulo: Rideel, 2009, p. 19-22

Exercícios
1) Você acabou de ler um trecho de um texto literário (romance), que foi escrito em 1864. Por que ele pode ser classificado como um romance de aventuras? Explique. (3l)
2) Qual seria a motivação para a viagem realizada pelas personagens? (3l)
3) Observe algumas afirmações sobre o conto de aventura a seguir. Em seguida, marque um “X” nas afirmações que apresentam uma característica presente no conto lido:
(  ) Coloca o herói frente a frente com ambientes hostis.
(  ) Locais exóticos e relativamente desafiadores.
(  ) Personagens principais, em geral, são jovens.
(  ) Mistura o exagero e o inesperado.
(  ) Leitor implícito jovem ou adolescente.
(  ) Final feliz.
(  ) Ambientes comuns.
(  ) Personagens em viagens.
(  ) Figura de um companheiro fiel.
(  ) Sucessão de aventuras inesperadas.
(  ) Ao final, existe um retorno ao ambiente doméstico.

Leia o artigo de divulgação científica a seguir e, depois, responda às perguntas:


Viagem ao centro da Terra Como é possível descobrir o que há no interior de nosso planeta?

               Um jovem e seu tio resolvem viajar ao centro da Terra. Dirigem-se, então, à cratera de um vulcão na Islândia, que acreditam ser a porta de entrada para o interior do planeta. Na incrível aventura, encontram um mundo subterrâneo repleto de surpresas que vão de oceanos a dinossauros. Parece fantástico? E é, mas trata-se apenas de uma história de ficção. O livro Viagem ao centro da Terra, do francês Julio Verne, não se aproxima nem um pouco da realidade.
               Até hoje, quase 150 anos depois do lançamento do livro, enveredar-se pelo interior do planeta é impossível para o homem e, ainda que a viagem se tornasse real, o que encontraríamos seria bem diferente.
               A Terra é dividida em três partes principais: núcleo, manto e crosta. O núcleo é formado por ferro e níquel, metais que aparecem em estado sólido na parte mais interior e líquido na camada externa. Ao todo, o núcleo tem cerca de 7 mil quilômetros de diâmetro e corresponde a um terço da massa total do planeta.
               “A segunda camada, que fica entre o núcleo e a crosta, é chamada de manto. Ela tem 2,9 mil quilômetros de espessura e é composta principalmente de silicato de magnésio e ferro”, conta o geólogo Roberto Cunha, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ao contrário do que muita gente pensa, o manto é sólido, e não líquido. “Em alguns locais, quando ocorre uma diminuição da pressão ou um aumento de temperatura – durante um terremoto, por exemplo –, uma pequena porção do manto pode se fundir, dando origem à lava dos vulcões”, explica o pesquisador.
               A Terra tem, no total, 12,7 mil quilômetros de diâmetro. Sua estrutura está dividida em crosta (a parte mais externa), manto e núcleo.
               Por fim, a última camada é a crosta terrestre, onde nós vivemos. Roberto explica que a espessura da crosta varia entre cinco quilômetros, no fundo dos oceanos, até mais de 80 quilômetros, nos continentes. É nessa camada que se encontram rochas como granito e basalto.
CHAGAS, Catarina. Viagem ao centro da Terra. Disponível em: http://chc.org.br/viagem-ao-centro-da-terra/. Acesso em 18 abr. 2018.


4) Segundo o artigo de divulgação científica da revista “Ciência Hoje”, por que não é possível alcançar o centro da terra? (3l)
5) Como os cientistas buscam representar as condições interiores do nosso planeta? (3l)
6) Qual é a função do uso de aspas no artigo de divulgação científica?
(  ) Destacar o uso de uma expressão informal.
(  ) Destacar o uso de uma expressão de língua estrangeira.
(  ) Destacar que se trata da fala de alguém.
7) Pesquise, em dicionário ou, se for o caso, em sites confiáveis: a definição do termo geólogo? (4l)
8) Para o artigo de divulgação científica, por que é importante manter falas de um geólogo? (3l)
9) Em que medida a atividade de um geólogo aproxima-se das ações das personagens no romance de Júlio Verne? Explique com suas palavras. (3l)
Você já leu um clássico universal? Ítalo Calvino, um grande autor italiano, escreveu um livro que intentava, entre outras coisas, responder à seguinte dúvida: “Por que ler os clássicos”. Para isso, ele apresentou uma definição com 14 frases interligadas do que seria, para ele, um clássico. Leia-as a seguir:

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou lendo”.
2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.
3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras na memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.
4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
5. Toda primeira leitura de um clássico é, na realidade, uma releitura.
6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.
7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).
8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.
9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.
10. Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.
11. O “seu” clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.
12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes de outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.
13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidade à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.
14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.
Adaptado de: CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 9-15.

Responda as questões abaixo em folha separada e entregue a professora, com seu nome e turma

1. Procure, em dicionários ou outras fontes confiáveis, significados possíveis para a palavra “clássico”. Não se esqueça de colocar a fonte:

2. Confronte a leitura das definições de Calvino, sua pesquisa e o que você sabe a respeito da palavra clássico. Por que, de alguma forma, Viagem ao centro da Terra, de Júlio Verne, poderia ser considerado um clássico?

3. Veja o que Calvino diz como possibilidade de um clássico: “11. O “seu” clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele”. Que livros lidos por você poderiam ser considerados um clássico? Cite, ao menos, um e explique por quê.



10. Embora o romance de Júlio Verne e o artigo de divulgação científica tratem, aparentemente, do mesmo assunto, há pontos diferentes e parecidos a serem considerados. Quais são eles? Aponte-os:




[1] golfo estreito e profundo, em certas regiões do Norte da Europa.
[2] traçar o perfil.
[3] cume; pico.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Atividade- Produção de crônica

Quando as crianças brincam

CADERNO DA CIDADE 8º ANO P. 153 A 157